KIKITOS, AGITOS, AMIGOS E OUTROS FANIQUITOS .. por Dario Pontes

Bruno Bini e os 4 Kikitos de CINCO TIPOS DE MEDO, foto de Victor Muniz.
Bruno Bini e os 4 Kikitos de CINCO TIPOS DE MEDO, foto de Victor Muniz.

Eita !! Vixe !! Afff !!

Foi mais um Festival de Gramado. E cada ano mais diverso, mais intenso, melhor. Uma maratona olímpica cinematográfica ..

Voltei ao Rio exaurido. Precisei de uma semana pra me recuperar e pôr em dia o trabalho acumulado. Aos poucos vou postando aqui os textos prontos. E no Instagram, as resenhas, fotos e vídeos que agora estou tentando produzir. Pois é! Após anos de resistência, Gramado me fez capitular, vencido por argumentos irrefutáveis da minha editora, que abriu um Instagram pra mim. Vou tentar reaprender a lidar com esse massacre midiático. Rezem por mim.

Parabéns aos organizadores e curadores. A seleção dos filmes desta 53° edição do Festival de Gramado foi primorosa. Os que vi valeram muito a pena, e espero rever quando lançados comercialmente. Muitos não consegui prestigiar em Gramado. É sempre assim. Antes me sentia culpado. Agora não mais. Vejo duas ou no máximo três sessões por dia. Mas faço contato com os realizadores e alguns eu consigo assistir depois no Vimeo.

É o caso dos filmes da IV Mostra de Realidade Virtual e da Mostra de Curtas Produzidos por Inteligência Arficial. Conversei com os organizadores/curadores Ranz Ranzenberger e Alberto Moura, que gentilmente me passaram os links. Achei muito legal que o Festival esteja abrindo espaço pra essa temática tão inovadora. Estou ansioso pra ver esses filmes. Depois comento a respeito.

Este ano consegui focar na Mostra Competitiva de Longas e Curtas (ficção e documentários), além do Filme de Abertura e da Série. Foram 24 filmes sensacionais. Já fiz anotações e apontamentos, à mão, sobre a maioria deles. Ao longo dos próximos dias vou digitando, editando e postando pra vocês. Não sou jornalista profissional e não escrevo por obrigação. Sou um crítico livre e prezo por esta independência criativa. Só escrevo o que, como, quando, onde e porque tenho vontade. Às vezes escrevo e não posto. E outras vezes não escrevo nem que a vaca tussa. Não abro mão disso. Gosto da Rede Sina porque me entende e me aceita como sou. Não dependo da escrita pra sobreviver. O Médico sustenta o Crítico. Se por um lado o exercício da Psiquiatria consome o tempo que poderia ser dedicado à escrita, por outro lado é o trabalho médico que garante essa liberdade. É isso que me torna um crítico diferenciado. Mas voltemos ao Festival de Gramado…

Estive na Cerimônia de Encerramento e Premiação, lá no antigo Cine Embaixador, atualmente batizado de Palácio dos Festivais, numa alusão ao Palais de Festivals de Cannes. O Canal Brasil foi o responsável oficial pela transmissão televisiva. E como there’s no business like show-business, a cerimônia que estava marcada para 20h acabou começando às 21h20 por um “problema técnico” na tal transmissão ao vivo. Perguntei, mas nem as colegas do Canal (Simone e Maria Clara) sabiam o motivo do problema. Os ganhadores de cada Kikito tinham dois minutos para o discurso de agradecimento. Quase ninguém conseguiu cumprir. Mas a Cerimônia – talvez pra recuperar o atraso – me pareceu mais corrida que o habitual.

Pra quem não conhece, o Kikito é um dos mais festejados troféus do Cinema Brasileiro. É uma estatueta de metal dourada de uns trinta centímetros, com cabeça de sol risonho, inspirada na escultura em chumbo de Elizabeth Rosenfeld, que representa o Deus do Bom Humor. Pois bem, este ano o Júri encarregado por decidir os premiados teve uma tarefa árdua. Fez uma opção polêmica e na minha opinião acertada, de distribuir os prêmios entre os concorrentes, de modo que quase todos os longas levaram pelo menos um Kikito, ou uma Menção Honrosa.

Dois filmes se destacaram, e foram pra mim os melhores da competição. Não à-toa voltaram pra casa levando quatro Kikitos cada. CINCO TIPOS DE MEDO (MT), de Bruno Bini, e PAPAGAIOS (RJ) de Douglas Soares.

CINCO TIPOS DE MEDO, filmado em Cuiabá, levou o Kikito mais cobiçado de Melhor Filme, além de Melhor Roteiro, Montagem e Ator Coadjuvante. Após tantos anos frequentando festivais de cinema, a gente acha que não mais se deixa levar pela emoção. Que nada! Esse filme cheio de “medos” tem um diretor/ roteirista/ montador que parece meio diferentão, falando de um modo acanhado, muito mais que tímido, e com tanta ternura no olhar, que foi impossível não se emocionar cada vez que Bruno Bini subiu ao palco. Foi a primeira vez que um longa do Mato Grosso ganhou um Kikito em Gramado. Como é bom ver o Brasil profundo produzindo cinema de qualidade. O filme é cinco vezes medroso, violento, cruel, ousado e maravilhoso. O meu favorito na competição. Nesse quesito concordei cem-por-cento com o Júri. Estou fazendo uma crítica sobre ele que postarei mais a frente.

E não dá pra falar em CINCO TIPOS DE MEDO sem falar em Xamã. Posso afirmar que de todas as celebridades que pisaram no Tapete Vermelho este ano, ele foi quem mais brilhou. Estava em todos os lugares esbanjando beleza, simpatia e sedução. Falava com todos sem nenhuma afetação. Dançava e cantava nas festas até altas horas. Sem falar que se emociona fácil e tem uma conversa pra lá de afiada. O super-vilão que interpreta no filme foi seu primeiro trabalho no audiovisual, dois anos atrás, antes mesmo da novela Renascer. Mandou bem demais. O Kikito de Melhor Ator Coadjuvante foi um dos mais festejados pelo público. No palco, ele agradeceu ao diretor Bruno Bini pela oportunidade e por todo o aprendizado transmitido. Disse que fazer cinema era um grande sonho seu, e espalhou em Gramado a notícia que pretende abrir uma produtora e seguir fazendo filmes por aí. Se ele conseguir, o Cinema Brasileiro só tem a ganhar. Uma madrugada no Serra Azul, entre goles e canções, tivemos uma animada conversa. Aproveitei pra lhe sugerir três temas sobre os quais ele tem lugar de fala pra fazer mais de um filme: o Rap, a Quebrada e a Cultura Indígena Pataxó, da qual ele é herdeiro. – Xamã, querido, se quiser uma mãozinha pro desenvolvimento de um projeto, conte comigo, pra você eu trabalho até de graça ..

PAPAGAIOS (RJ), aqui do Rio, também é um filme excelente, com qualidades técnicas até superiores, mas impacto afetivo levemente menor quando comparado ao rival. Levou Melhor Direção de Arte, Melhor Desenho de Som, Melhor Ator e Melhor Filme pelo Júri Popular. Também tem crítica dele no prelo. O diretor Douglas Soares esteve no Festival desde o início e fez boas trocas comigo. É certamente o primeiro longa de uma carreira muito promissora no Cinema Brasileiro. Mas quem “entrega tudo” nesse filme é o ator cearense Gero Camilo, reluzente como um papagaio de pirata suburbano-carioca que tenta sair da margem da cena e assumir o centro do quadro. Ao receber o Kikito de Melhor Ator, Gero fez o discurso mais emblemático da noite. Pediu aos festivais de cinema do país que parem de premiar os artistas como “O Melhor Isto, O Melhor Aquilo“. “Eu não sou o Melhor“. Um prêmio é apenas uma forma de dar Destaque ao trabalho de alguém, falou e disse Camilo, que veio pela primeira vez a Gramado em 25 anos de carreira. Nordestino como eu, nossa troca foi fluida e começou já no aeroporto de Porto Alegre. Por fim, Gero ainda fez questão de compartilhar o prêmio com o jovem ator Ruan Aguiar, que protagoniza o filme junto com ele, e também entregou uma atuação memorável. Desta vez não levou, mas aposto que o futuro lhe trará o merecido Kikito. PAPAGAIOS em breve entra em cartaz. Não deixem de ver na telona.

Na sequência, também foram muito bem laureados os longas: NÓ (PR), de Laís Melo, e A NATUREZA DAS COISAS INVISÍVEIS (DF), de Rafaela Camelo. Cada um levou três prêmios.

NÓ ficou com Melhor Direção, Fotografia e Melhor Filme pelo Júri da Crítica. A diretora Laís Melo também marcou presença cotidiana no Festival. Sempre bonita e inteligente. Fizemos ótimas trocas. É daquelas pessoas incisivas que fala o que pensa não importando se vai agradar ou desagradar. Eu também. Nós discordamos algumas vezes. Mas eu gostei MUITO dela. O filme deixou sua marca em Gramado e consagrou o trabalho da atriz Saravy, que para boa parte dos colegas jornalistas e cinéfilos era a favorita ao Kikito de Melhor Atriz. Não foi. Eu estava muito cansado no dia da exibição do longa, e precisarei revê-lo antes de escrever minha crítica. Vou ver com Laís se ela me concede essa graça.

Uma coisa que aprendi depois de anos escrevendo sobre filmes, é que nossa avaliação pode ficar muito comprometida caso, no momento da exibição, nós espectadores não estivermos bem (com nós mesmos, ou de saúde, ou excessivamente cansados). Acabamos sem querer projetando no filme um mal-estar que na maioria das vezes é nosso. Assim, antes de escrever alguma palavra dura sobre qualquer obra de um artista, devemos ter certeza de que é sobre ela (a obra) que estamos falando. Que não seja apenas uma projeção da nossa insatisfação. Assim se evitam injustiças desnecessárias.

Já A NATUREZA DAS COISAS INVISÍVEIS (DF), de Rafaela Camelo, tem pra mim o título mais bonito do ano. Levou os Kikitos de Melhor Trilha Musical, o Prêmio Especial do Júri, e Melhor Atriz Coadjuvante para Aline Marta Maria, que subiu ao palco de cadeira de rodas nos emocionando novamente. É a mesma situação do filme anterior. Eu não estava em boas condições no momento da exibição, e vou precisar rever o longa antes de escrever uma crítica sobre ele.

SONHAR COM LEÕES (SP) foi o único longa de ficção em competição que não levou pra casa nenhum Kikito, apenas uma Menção Honrosa. O filme é uma co-produção de São Paulo com Portugal e Espanha estrelado magistralmente pela diva Denise Fraga. Ela sozinha faz do filme um acontecimento. Era a mais cotada pela audiência gramadense para receber o Kikito de Melhor Atriz. Também não rolou. O filme é bem interessante mas tem grandes problemas estruturais. Uma noite antes eu havia conversado longamente sobre todos esses dilemas com o diretor Paolo Marinou-Blanco. Não o conhecia e adorei conhecê-lo. Ele é português de origem grega, excelente pessoa, trabalha como roteirista nos Estados Unidos e ouviu toda a minha lista de críticas (construtivas) com uma elegância que não costumo ver nos colegas brasileiros em situação semelhante. Nos próximos dias postarei a análise completa desse filme, com tudo que falei pra ele e otras cositas más.

E por fim QUERIDO MUNDO (RJ) de Miguel Falabella e Hsu Chien, um filme polêmico que uns amaram, outros odiaram. Tem óbvias fragilidades e grandes virtudes na mesma medida. Faturou um único Kikito, de Melhor Atriz para Malu Galli. Todos foram pegos de surpresa, menos eu, que estava sentado ao lado do produtor Júlio Uchôa e tinha lhe soprado esse palpite uma hora antes. Mas eu fui de fato surpreendido pela transmissão ao vivo na telona: uma equipe do Canal Brasil invadiu o set de gravação da novela Vale Tudo pra comunicar em tempo real à atriz ( tia Celina ) sobre o prêmio que acabara de ganhar em Gramado. Foi um momento muito especial da noite.

Agora vamos à premiação dos longas documentais ..

Foram quatro filmes, todos ótimos. Mas um se destacou muito. PARA VIGO ME VOY (RJ), de Lírio Ferreira e Karen Harley, sobre a obra de Cacá Diegues, é no mínimo uma experiência cinematográfica arrojada e deslumbrante. Também vai merecer uma crítica exclusiva. Mas só levou Menção Honrosa, esse tiro de misericórdia que se dá a quem está padecendo em dor atroz. Andei encontrando e conversando bastante com o Lírio, que já conheço de antigos carnavais. Ele ficou destroçado.

O Kikito de Melhor Documentário foi para LENDO O MUNDO (RN), de Catherine Murphy e Iris de Oliveira, um bom filme sobre o trabalho revolucionário do pedagogo Paulo Freire, mas com uma pegada bem didática do tipo TV Educativa ou Canal Futura. Nem aos pés da sofisticação estilística de PARA VIGO ME VOY. Nesse caso eu poderia dizer que houve uma certa “injustiça“. Mas não gosto de opinar sobre as decisões dos jurados. Acho que o Júri dos Festivais de Cinema, como em qualquer tribunal, deve ter autonomia e liberdade pra decidir sem interveniências externas, acertando ou errando. No final, de uma maneira ou de outra, a Justiça sempre encontra um jeito de se fazer presente quando necessária. Nada como um dia após o outro, e uma noite no meio.

No fim, tudo acaba em FESTA. A confraternização de praxe na Sociedade Recreio Gramadense fechou o Festival com chave dourada e muitos Kikitos bailando. O jornalista Roger Lerina, incansável, depois de apresentar uma dúzia de cerimônias e mediar dezenas de debates, seguiu pra terceira jornada como DJ animador do salão de baile. Essa festa boca livre é sempre marcada por fortes abraços de despedida, juras de saudade antecipada e até beijos de antes-tarde-que-jamais. Acho que o local ajuda a tornar esse evento algo divertidamente cafona. Lembra festa de casamento. Pra completar, quando o álcool sérico estava chegando ao limite e eu começava a desfrutar, alguns colegas da imprensa me cercaram no banheiro com um problema urrando por solução. A maioria dos colegas são bem jovens e resolveram empurrar a bomba na mão do tio 55+, de barbas brancas, e com mais facilidade de acesso às autoridades do Festival: eu.

Até poucos anos atrás, a votação do Júri Popular era feita através de cédulas de papel distribuídas na entrada de cada sessão. A audiência tinha que votar com caneta antes de sair do Palácio, e a cédula era depositada numa urna que ficava ali no hall ao lado do Kikito velho. Esse sistema era um pouco trabalhoso, mas garantia que os votantes necessariamente tinham visto o filme, reforçando assim a lisura ética do certame. Atualmente a cédula foi substituída pelo voto on-line. O espectador usa seu próprio celular para ler o QR-CODE que aparece na tela de cada sessão e dá acesso ao site de votação. Eis que denunciaram a possibilidade de se fotografar o QR-CODE, e reenviar o print a fã-clubes virtuais de várias cidades, para angariar votos de pessoas que nunca nem ouviram falar no filme. O processo, apesar de pouco ético, estava passando despercebido até então. Todavia este ano um filme provocou uma reação completamente nova na audiência da sessão. CINCO TIPOS DE MEDO foi literalmente ovacionado pela plateia durante alguns minutos. Isso não havia acontecido em nenhum dos outros filmes exibidos. Nem o filme de Abertura, O ÚLTIMO AZUL, recebeu aplausos tão calorosos. Por isso estava implícito pra nós, que acompanhamos o festival desde o início, que o prêmio do Júri Popular seria ganho por esse filme.

Quando o Kikito foi para outro filme, gerou uma onda de incredulidade cuja conclusão foi: não conseguiram manter o QR-CODE circunscrito à audiência de cada sessão. Pronto! Uma certeza se espalhou nas nossas consciências festivas, atrapalhando a diversão do baile. Sobrou pra mim a missão de levar o incômodo adiante. Discuti o assunto com alguns colegas da minha geração que ainda restavam no salão. Menos de uma hora depois já estava em reunião com a diretoria da GramadoTur, autarquia municipal responsável pelo evento. Chegamos à conclusão que infelizmente não havia mais o que pudesse ser refeito. Um Kikito dado não poderia ser cancelado. Mas para o próximo ano, ficou a proposta de um mecanismo tecnológico ser acrescentado ao QR-CODE, impedindo que ele possa ser usado por pessoas que estejam fora do cinema e não tenham visto o filme. Caso esse recurso não seja tecnicamente possível, pactuamos o retorno para o sistema anterior dos votos em cédulas de papel, mesmo que dê mais trabalho contabilizar. Rosa Helena Volk e Tatiana Ferreira são duas mulheres fantásticas com quem tenho desenvolvido uma ótima relação. Confio plenamente que esse problema será analisado com o carinho e a atenção que merece. E contratempos dessa espécie não seguirão acontecendo.

O Festival de Gramado segue sendo um evento marcante e inesquecível. Nada que eu possa dizer chega perto do que é viver essa experiência. Por isso vou parando por aqui, pois já me alonguei demais .. Quem ainda não foi, vá correndo, que o tempo urge.

Em Gramado, as montanhas abraçam o céu. Não pode haver lugar mais propício para se celebrar a paixão pela Sétima Arte. O que começou como um sonho, cresceu, brilhou e se consagrou. Desde 1973 o Festival de Gramado é ponto de convergência do Cinema Brasileiro, sempre mantendo sua vocação: inspirar e transformar.

Cada edição é uma viagem através da diversidade de culturas, de olhares e sentimentos. É um encontro de talentos, de estilos, de gerações. Quando, na sala escura, um feixe de luz incide sobre a tela branca, um fragmento da vida é imortalizado. O aplauso é mais que um gesto, é uma homenagem à coragem de contar histórias. A arte encontra enfim sua eternidade. E cada filme ilumina o mundo ..

Viva o Cinema Brasileiro.

A Vida Presta.

Até breve !!

Dario Pontes

Rio de Janeiro, 02/09/25.

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