Como Gramado se tornou Gramado? Especialistas analisam o Protagonismo Turístico da Cidade

Atração de eventos como festivais foi determinante para construir uma cultura de turismo no município

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Combinação entre clima, área e atração de eventos tornou a cidade um dos principais destinos para turistas.
Mateus Bruxel / Agencia RBS

O que fez um município do interior do Rio Grande do Sul de apenas 40 mil habitantes se tornar um dos principais expoentes turísticos do Brasil?

Parceria duradoura entre poder público e privado, apoio de moradores e o “frio europeu” são citados como motivos que tornaram Gramado, na Serra, uma cidade visitada anualmente por milhões de pessoas e um exemplo de sucesso no turismo, que inspira outros municípios, do Brasil e também do Exterior.

O crescimento oferece vantagens aos habitantes: um local limpo, seguro e com atrações o ano todo são elogios comuns de parte de quem vive na cidade. Outros moradores alegam que Gramado perdeu a essência e se tornou cara e artificial.

Gestores e estudiosos do turismo dizem que a economia local não é uma bolha, mas a infraestrutura para atender à demanda de visitantes é um grande e permanente desafio. Afinal, como Gramado se tornou a Gramado como a conhecemos hoje? O que a levou a tornar esse fenômeno a atrair milhões de visitantes anualmente – mais de 8 milhões é a estimativa só de 2023.

 

Início: turismo para quem quer sossego

O turismo em Gramado começou a se desenvolver com a chegada do trem, em 1919, que integrou o então distrito de Taquara aos maiores centros regionais à época: Porto Alegre, São Leopoldo, Novo Hamburgo e Taquara. A historiografia local e moradores contam que os visitantes tinham características diferentes das observadas no presente e buscavam o local nos meses mais quentes do ano.

— Os chamados “veranistas” iam a Gramado para recuperar a saúde física ou mental através da apreciação da natureza, do clima agradável e do sossego. Isso porque era um lugar que ainda possuía características coloniais, ao contrário dos principais centros urbanos da época — explica Eduardo Weber, pesquisador da origem do turismo em Gramado e graduando em História das Faculdades Integradas de Taquara (Faccat).

Após a emancipação, em 15 de dezembro de 1954, o município se destacou em atividades como a produção de chocolate e indústria de móveis e artesanato de vime. Foi, porém, com os festivais que a cidade recebeu reconhecimento nacional e atraiu visitantes de fora do Estado em maior número: Festival das Hortênsias (1958), Festival do Cinema (1973), Festa da Colônia (1984), Natal Luz (1986) e Festival de Turismo (1989).

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Eventos e festivais permitiram atração de mais turistas, alcançando destaque entre os destinos mais buscados.
Mateus Bruxel / Agencia RBS

 

O que explica o “boom” turístico

Para o prefeito de Gramado, Nestor Tissot, foi o poder público municipal o principal incentivador do desenvolvimento turístico na cidade.

— Quando não se tinha dinheiro para fazer o Festival do Cinema e o Natal Luz, a prefeitura tirava um pouquinho do orçamento porque julgávamos importantes. Hoje dificilmente colocamos dinheiro nos eventos, porque, com o tempo, eles se tornaram autossuficientes. Aquele recurso “emprestado” lá atrás é devolvido com impostos todos os anos — explica.

Entretanto, o foco no desenvolvimento do turismo em Gramado não foi um consenso entre as administrações de Gramado, acrescenta Tissot:

— Essa discussão política (foco no turismo) também passou para a nossa sociedade, que fez a escolha: ela percebeu quando um grupo estava na prefeitura lidando preferencialmente com o turismo e quando era dada ênfase a outras situações. Ao longo do tempo, a sociedade reconheceu que o turismo é o melhor negócio.

Thomas Fontana, sócio-fundador do Somos.RS, um grupo empresarial que atua no desenvolvimento econômico do Estado por meio do turismo, concorda que o alinhamento longevo entre iniciativa privada e poder público deu base para a cidade se firmar como um destino de sucesso, pois ambos compreenderam cedo que o turismo é um vetor de desenvolvimento. Somado a isso, conforme Fontana, o município se diferencia por conta da atenção a detalhes que melhoram a experiência do turista.

— Existe um cuidado grande com a questão estética. Os visitantes nos dizem que gostam muito da limpeza, de não ter publicidade em excesso nas fachadas dos prédios, que as ruas são cuidadas e não há semáforos. É uma série de detalhes que impacta na imagem e reverbera positivamente — justifica.

O estudioso agrega que a cidade soube inovar ao investir em grandes eventos como “chamariscos” de turistas.

— Gramado entendeu o quanto espichar eventos podem impactar no turismo, como um Natal que dura 90 dias, uma Páscoa de 30 dias. Também há a questão da entrega de conteúdo gratuito que atrai um grande público nessas festividades: uma parcela dessas pessoas acaba consumindo a parte paga do evento. São estratégias que fazem com que a cidade tenha sucesso — comenta.

Gramado entendeu o quanto espichar eventos podem impactar no turismo, como um Natal que dura 90 dias, uma Páscoa de 30 dias. Também há a questão da entrega de conteúdo gratuito que atrai um grande público nessas festividades: uma parcela dessas pessoas acaba consumindo a parte paga do evento. São estratégias que fazem com que a cidade tenha sucesso.

THOMAS FONTANA – Sócio-fundador do Somos.RS

 

Novas atrações todos os anos

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Espetáculo Nativitaten, no Centro de Eventos, é um dos atrativos turísticos.
Mateus Bruxel / Agencia RBS

Alexandra Zottis, coordenadora do curso de Turismo da Universidade Feevale, diz que o protagonismo de Gramado está ligado à capacidade de criar atrações, expandi-las e mudá-las para evitar a mesmice; como exemplo, cita o Natal Luz.

— Aquele evento que surgiu no centro em um espaço pequeno, que reunia alguns fornecedores da região, é hoje uma festa internacional que conseguiu perceber que há uma tendência na área de eventos com multiatividades. Gramado monetizou absolutamente tudo, e isso não está errado, e fez do Natal um grande espetáculo — pontua.

A inovação do passado segue com a expansão dos parques temáticos no século 21, uns dos grandes atrativos de Gramado no presente: a série de novidades fideliza o turista e o motiva a retornar.

— A cidade tem a capacidade de se reinventar para atender novos anseios dos consumidores. O turista tem uma novidade para ver em Gramado mesmo que visite a cidade todos os anos — resume a estudiosa.

Rosa Helena Volk, presidente da Gramadotur, autarquia municipal responsável pela organização dos grandes eventos, acrescenta que o município da Serra atrai visitantes porque soma eventos e atividades turísticas a um clima inexistente em outras regiões do país.

— Para nós que vivemos no Rio Grande do Sul, o frio é algo comum, mas quem é do centro-oeste, norte, nordeste do Brasil não tem essa realidade. Essas são pessoas que vem para cá e rezam para que caia neve, porque querem viver essa experiência que é única para elas — pontua.

A “sorte” de ter o frio como aliado nos negócios não é decisiva para compreender o sucesso de Gramado, diz Rosa. Para ela, o município viu a importância de investir no turismo e replicou o tema na oferta de disciplina sobre o turismo na rede municipal de ensino: isso criou uma cultura turística com o passar dos anos.

— Estamos mostrando aos jovens o que é a hospitalidade, o que é o turismo e por que ele é importante para a cidade. Muito se fala da educação como base da sociedade: é o que fazemos em Gramado com essa iniciativa — comenta.

O êxito da cidade da Serra inspira empreendedores do turismo por todo o Brasil. Miguel Pereira, na serra do Rio de Janeiro, encontrou em Gramado uma referência para desenvolver as próprias atividades.

Um grupo de empresários de Campo Alegre, em Santa Catarina, busca ser uma “nova Gramado”, com investimento em um local de patinação no gelo e um castelo francês.

Estamos mostrando aos jovens o que é a hospitalidade, o que é o turismo e por que ele é importante para a cidade. Muito se fala da educação como base da sociedade: é o que fazemos em Gramado

ROSA HELENA VOLK – Presidente da Gramadotur

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